Por Vinícius Ximenes
Médico Sanitarista
Tirando o discurso das boas intenções, pois quando se entra em um debate como este todos de certa forma defendem (pelo menos nas palavras) que sua intencionalidade é a “melhor possível…a defesa do SUS…da vida…etc”, e também superando as defesas baseadas em “autoridade moral”, pois temos aqui pessoas que são “bibliografia” de muitos e com histórias de lutas contra isto ou aquilo, sempre considero que na tradição do pensamento crítico as melhores análises de conjuntura são aquelas que se pautam pela “análise concreta de situações concretas”.
E sem querer me alongar, avalio todo este processo histórico da seguinte forma.
1º) aproveitando-se que havia uma contradição quanto à sucessão da presidência do Conselho, num conflito entre o que era entendimento mútuo até o momento para sucessões e as regulamentações “perdidas” (e “achadas” de acordo com o oportunismo de alguns), a gestão anterior do Ministério da Saúde, já com validade vencida, comprou o desgaste (até para preservar o novo ministro que viria) de abrir esta polêmica como forma de inviabilizar a continuidade de Júnior a frente do Conselho, uma pessoa que se colocou diretamente contra todos estes ” novos” pacotes gerenciais e que estava sendo uma “pedra no sapato” de algumas correntes de “heróicos” gestores que acham que o foco principal dos problemas são meramente “problemas de gestão” e vem com isto tentando empurrar alguns dos engodos presentes em seus pacotes cheios de “novidades”;
2º) tentaram construir uma polarização entre usuários e trabalhadores da saúde, incentivando a candidatura de uma usuária contra o segmento de trabalhadores (que aliás, acho esta distinção entre estes dois segmentos coberta de equívocos, visto que numa visão classista ambos os segmentos para mim são trabalhadores), explorando alguns preconceitos existentes na construção cotidiana, e esperando que o segmentos de trabalhadores iria cair nesta “casca de banana” e comprar esta polarização;
3º) o segmento de trabalhadores, sabiamente, retirou sua candidatura, eliminando assim a continuidade dos discursos de que este segmento era contra “rotatividade no poder”, era corporativista, etc, e o segmento de trabalhadores se colocou disposto a uma aliança estratégica com o segmento de usuários;
4º) com medo de que esta aliança continue a inviabilizar as propostas que vem tentando ser implantadas pelo Governo Federal, grupo predominante no Ministério da Saúde e seus aliados em estados e municípios, principalmente num ano de conferências, o Ministério da Saúde lança sua candidatura à presidência do CNS numa perspectiva de não correr riscos, como a derrota que teve o governo na 13ª Conferência Nacional de Saúde e reuniões do Conselho Nacional de Saúde, onde a proposta de Fundações Estatais de Direito Privado foi rechaçada;
5º) apesar desta estratégia talvez ser a que favoreça mais o governo a garantir suas posições, também tem alguns riscos, como ranhuras na imagem do ministro, ainda em início de mandato, num ministério que sabemos que é o objeto de cobiça dos grandes partidos da base aliada. Para tanto, até agora ele não fez nenhum debate mais ampliado sobre o tema da sucessão à presidência do CNS. Mandou para isto seus porta-vozes, contando com o aparato de algumas pessoas presentes em entidades como ABRASCO e CEBES, algumas representações sindicais, outros gestores pelo país, pessoas presentes da Academia, etc.
Na verdade, acredito que há um problema de epistêmese nos diversos discursos que vi aqui no blog. Qual o papel do Conselho? Todos de certa forma defendem a condição de deliberativo, mas qual o mecanismo da construção destas deliberações?
Parece que alguns acham que ele deva ser um espaços eminentemente de consensos. Por isto a postura pautada no “deixa disto” ou até em outras como “vamos garantir o ministro lá, para viabilizar o retorno dos consensos”. Mas até que ponto, num momento onde se polarizam interesses com representação de classe distintas, como de um lado trabalhadores que lutam por dignidade para seu exercício do trabalho e de outro pacotes governamentais que os acusam como os principais culpados para problemas de operacionalização das políticas públicas, tais consensos sejam possíveis?
Sou trabalhador, estou na ponta e sei que há contradições no exercício diário de muitos trabalhadores, conflitos destes com o exercício de uma prática humanizada firmada eticamente numa centralidade para a própria classe trabalhadora. Analisar o porquê disto é algo complexo, mas achar que tais pacotes privatistas sejam a saída, seja construíndo “público” não estatal (OS’s, OSCIP’s) ou “estatal não público” (FEDP, Empresa Brasileira de Hospitais…), não é barco que eu pretenda entrar…aliás, pretendo lutar contra estas propostas!!!
E lamento, sinceramente, a posição de muitos teóricos da Reforma Sanitária presentes aqui no debate. Acho que há um outro debate de fundo que se precisa clarear: a partir de qual referencial de classe suas análises vem se estruturando? Qual o sujeito social coletivo, num recorte classista, visualizam como pólo de acumulação de poder para concretizar à emancipação do trabalho, no contexto das lutas sociais?
Infelizmente vejo muitos intelectuais de referência incentivando uma linha de corte e exploração das contradições entre subproletariado e trabalhadores formais da saúde, no sentido não da superação de dificuldades que atrapalham a constituição de identidades e lutas em conjunto, mas de incentivar uma divisão entre estes dois segmentos, e assim constituir uma divisão permanente dentro da classe trabalhadora.
Uma polarização entre gestão e trabalhadores (leia-se usuários + trabalhadores formais da saúde) é, dependendo de nossa análise, perfeitamente compreensível e para mim, em determinados momentos, inclusive deve ser inclusive incentivada…o governo é a materialização, em diversas situações, do Estado burguês, que o bom socialista autêntico visa sua superação na busca de outros modelos de institucionalidade gerais para a sociedade, independente da via de transformação que defenda.
Lamento profundamente que membros de entidades como o CEBES, que vem se propondo a resgatar uma visão crítica para o setor saúde, inclusive resgatando a Determinação Social como elemento fundante, a cultivarem posições dúbias e que em última análise se somam às forças sociais que se empenham nas mudanças voltadas ao “mudar para manter”…mantendo as forças sociais subalternas melhor controladas e domesticadas pelas novas cartilhas do Mercado.
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