Vejam, eles iniciam o discurso que só vão tornar OS os novos serviços, depois fazem as emendas para privatizar os antigos serviços. Governo do PSDB em São Paulo e aqui, que coincidência!
FOLHA DE SÃO PAULO, 31/08/2009
Projeto de Serra vai ampliar terceirização da saúde em SP Proposta, que já está na Assembleia, facilita convênio com organizações sociais
Novo modelo permite OSs em serviços já existentes, autoriza complementação salarial de servidores e libera acordo com fundação
LAURA CAPRIGLIONEDA REPORTAGEM LOCAL
HÉLIO SCHWARTSMANDA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Está tudo pronto para que o projeto de lei complementar do governador José Serra (PSDB) que abre a possibilidade de terceirização de toda a rede estadual de saúde vá a voto a partir desta semana. Atualmente, 25 hospitais do Estado de São Paulo já são administrados por "entidades privadas sem fins lucrativos", as chamadas organizações sociais (OSs). Como a maioria dos deputados da Assembleia Legislativa integra a base de apoio ao governo, até mesmo a oposição dá como certa a aprovação da proposta.São três as principais mudanças em relação à lei das OSs hoje vigente no Estado: 1) será permitido que passem a atuar em serviços de saúde já existentes (antes, só em novos serviços); 2) será permitida a complementação salarial aos servidores públicos afastados para essas entidades; 3) será possível que fundações de apoio aos hospitais de ensino atu em como OSs, desde que existam há pelos menos dez anos."Está provado: com as OSs já implantadas, temos conseguido fazer 25% mais atendimentos a um custo 10% menor", disse o secretário estadual da Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata, na audiência pública realizada na última terça-feira na Assembleia Legislativa, convocada para discutir o modelo. "O que o projeto está propondo é o aprofundamento de uma experiência que já é tão bem sucedida", disse.Criadas a partir de 1998, quando a legislação federal passou a admiti-las, as organizações sociais são entidades privadas sem fins lucrativos credenciadas e contratadas pelo poder público para prestar serviços que anteriormente eram fornecidos diretamente pelo Estado. Os defensores do modelo afirmam que a vantagem operacional é que ele confere ao administrador mais agilidade, por livrá-lo da obrigatoriedade legal de fazer licitações e concursos públicos.Desde 2004, a fatia do orçamento da Saúde estadual paulista destinada às OSs cresceu 202% (foi de R$ 626,2 milhões para R$ 1,891 bilhão em 2009). No mesmo período, o orçamento da pasta cresceu em velocidade bem menor: 93%.A mudança pretendida por Serra aproxima o modelo de OSs estaduais do municipal, que desde 2006 permite a entrega de hospitais antigos à iniciativa privada. Hoje, metade da rede municipal é administrada diretamente pela prefeitura, enquanto a outra metade é gerenciada por OSs."Ao longo do tempo, os vários sistemas vão conviver", disse à Folha o secretário municipal da Saúde, Januario Montone. "São as camadas arqueológicas da burocracia brasileira", acrescenta. Para ele, o modelo das OSs é muito superior ao das autarquias, mas depende da existência de parceiros com credibilidade técnica e administrativa. "Se o parceiro é frágil, o modelo rui", diz.Presidente do TCE vê problema em modelo Para ele, Estado não tem condições de fiscalizar o que está em contrato e menos ainda de fixar preço pelo que compra
Modelo também é criticado por entidades ligadas ao funcionalismo; secretaria diz haver controle público e defende critérios adotados
DA REPORTAGEM LOCALDA EQUIPE DE ARTICULISTAS
O presidente do Tribunal de Contas do Estado, Edgard Camargo Rodrigues, vê problemas no modelo das OSs (organizações sociais). "Como precificar o serviço que se está comprando? Um Estado que mal tem condições de fiscalizar o que está escrito em um contrato tem menos condições ainda de estabelecer preços justos pelos serviços que compra."Segundo ele, o TCE tem tido dificuldades para obter da Secretaria de Estado da Saúde informações sobre os contratos com as OSs. "Queremos saber: Como se chegou a esse valor? E é sempre uma resposta vaga."As entidades ligadas ao funcionalismo público também criticam o modelo: "Quase R$ 2 bilhões em dinheiro público serão colocados só neste ano nas mãos de entidades privadas selecionadas ao arbítrio da secretaria. E sem passar por licitações, sem a necessária transparência do que é feito com o recurso, sem contr ole social", critica o presidente do Sindicato da Saúde Pública no Estado, Benedito Augusto de Oliveira.A secretaria afirma que existem controles públicos sobre os contratos e a sua execução e que a escolha de uma OS obedece principalmente ao critério de capacitação técnica.As entidades contrárias às OSs dizem também que o modelo prepara o terreno para a privatização dos serviços públicos. Encontram o apoio do presidente do TCE: "Se não é essa a intenção, o caminho está aberto para isso. Especialmente com as modificações na lei das OSs em São Paulo", afirmou. "É como aconteceu nas estradas. Primeiro se sucateia, depois se diz: só tem uma saída: vamos privatizar e cobrar pedágio."A polêmica existe desde pelo menos 1998, quando o então ministro da Reforma do Estado e Administração Pública, Luiz Carlos Bresser Pereira (PSDB), propôs a figura jurídica das OSs e o Congresso aprovou. PT e PDT -mobilizados por sindicatos do funci onalismo- entraram com ação direta de inconstitucionalidade contra a lei, com argumentos semelhantes aos levantados hoje em SP. Passados mais de dez anos, a ação ainda não foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal.Em abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou petição ao STF para que a ação fosse julgada rapidamente. Em junho, o STF acatou pedido da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) para atuar como parte da ação.Para Marco Antonio Raupp, presidente da SBPC, a pesquisa científica ganha com o modelo das OSs. Na compra de equipamentos, por exemplo. Segundo ele, não é raro que exista apenas um fornecedor com capacidade técnica para desenvolver um aparelho. "Não é coisa que está na prateleira para você ir lá e comprar. Nesse caso, licitação é perda de tempo", disse.Ele diz que nos últimos anos várias leis que ampliam as possibilidades de parceria entre Estado e entidades sem fins lucrativos entraram em vi gor, mas isso não tem surtido efeito."Logo aparecem tribunais de contas, Ministério Público e outros, que tentam reintroduzir as antigas normas. Fica um movimento pendular." Essa insegurança jurídica, diz, tem impedido o avanço de um modelo que tem "muito a contribuir" para a ciência e a sociedade.
ANÁLISE
Estado moderno enfrenta dilema entre princípios DA REPORTAGEM LOCALDA EQUIPE DE ARTICULISTAS OSs, Oscips, ONGs, fundações estatais etc. são uma das respostas possíveis aos dilemas do Estado moderno. De um lado, está o princípio republicano da impessoalidade que, conforme o artigo 37 da Constituição, deve nortear todos os atos do poder público. De outro, está a busca pela eficiência, enunciada no mesmo artigo.É claro que perseguir um não implica renunciar ao outro. Pelo menos em teoria, eles não se excluem e são ambos compatíveis com a legalidade, a moralidade e a publicidade -os outros princípios fundamentais da administração pública.Tradicionalmente, são os processos licitatórios e os concursos públicos que visam dar concretude à regra da impessoalidade: se o Estado contrata sempre o servidor mais capaz e compra sempre pelo melhor pr eço, não apenas estão fechadas as portas para o favorecimento de amigos dos governantes como ainda deu-se um importante passo para tornar a ação do Estado mais eficaz.Na prática, porém, a coisa é mais difícil de equacionar. Mesmo que se deixe de lado o problema dos desvios -que podem ocorrer tanto no modelo das OSs como no do Estado executor-, existem situações em que os prazos e as condições exigidos para a realização de concursos e licitações podem conspirar contra a eficiência.Uma área onde isso ocorre com certa frequência é a saúde, não por acaso a esfera onde o fenômeno da terceirização mais avançou. Na gestão de hospitais e serviços sanitários, vive-se um estado de prontidão permanente, que está sempre a exigir contratações e compras de emergência. Quem puder fazê-lo com menos burocracia e em menor tempo tende a ter uma atuação mais eficaz.No mais, os princípios de impessoalidade e eficiência não se aplicam abs tratamente, mas em situações concretas e ao lado de outras regras da administração. Assim, embora o concurso em princípio garanta a contratação do profissional tecnicamente mais capacitado, existem também a isonomia e estabilidade, que lhe permitem, ainda que de forma desvirtuada, produzir muito pouco sem temer a demissão ou sanções.A verdade é que nem o modelo tradicional nem o das OSs são perfeitos ou imunes a desvios. Se o primeiro tem o mérito de possibilitar uma aplicação mais rígida das normas da impessoalidade e da publicidade, o segundo parece ser mais vantajoso no quesito da eficácia.Perguntar à população qual lado ela prefere reforçar é quase uma covardia: você quer os hospitais funcionando bem ou quer ver a moralidade administrativa imposta a ferro e fogo? (LAURA CAPRIGLIONE E HELIO SCHWARTSMAN)