DIA 19/02 (QUINTA-FEIRA) – 10 HORAS – AUDITÓRIO DA FAMED (ANTIGO CSAU)
PAUTA:
- INFORMES DA DIREÇÃO;
- ELEIÇÃO DE DELEGADOS PARA PLENÁRIA DA FASUBRA ;
- GEAP
POR QUE RESISTIR ÀS FUNDAÇÕES ESTATAIS DE DIREITO PRIVADO?
Maria Valéria Costa Correia[1]
Privatização
O debate sobre o modelo de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) tomou vulto a partir da crise dos hospitais do Rio de Janeiro. O governo federal tem apresentado como saída para a crise nos hospitais públicos as Fundações Estatais de Direito Privado, que implicará no repasse da gestão desses para a rede privada e/ou “filantrópica”.
A proposta das Fundações foi apresentada pelo Projeto de Lei Complementar nº 92/2007, em tramitação no Congresso Nacional, desde 13 de julho de 2007, o qual se propõe a regulamentar o inciso XIX do Art. 37 da Constituição Federal, para definir as áreas de atuação de fundações instituídas pelo poder público. Além da área da Saúde, este projeto atinge as áreas da Assistência Social, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Previdência Complementar do servidor público, Comunicação Social, e promoção do Turismo nacional.
Isto significa transferência da gestão das atividades das políticas públicas nas citadas áreas para as mãos do setor privado - “personalidade jurídica de direito privado” – mediante repasse de recursos, de instalações públicas e de pessoal. A isto se denomina privatização do público, ou seja, apropriação por um grupo privado (não estatal) do que é público.
Ameaça aos Direitos Sociais
Observa-se que as áreas contempladas no referido Projeto de Lei das Fundações são as áreas em que se localizam as políticas públicas, através das quais o Estado viabiliza (ou inviabiliza) os direitos sociais garantidos legalmente. São áreas decisivas, fruto de lutas sociais cotidianas pela efetivação desses direitos duramente conquistados na forma da lei. O que resta do setor público brasileiro está fortemente ameaçado com o Projeto de Lei das Fundações Estatais de Direito Privado. Este projeto aprofunda a desresponsabilização do Estado com as políticas sociais, ao propor a viabilização destas através das Fundações. Conseqüentemente, trata-se de um projeto que ameaça frontalmente os direitos sociais. E, ainda, as Fundações Estatais não serão obrigadas a contribuir com o fundo público responsável pelas diversas políticas sociais.
Contestação Legal
Na área da Saúde, este projeto, tanto quanto as Organizações Sociais (OS) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) podem ser contestadas legalmente, pois a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/90 admitem a prestação de serviços privados de saúde de forma complementar ao SUS e não substitutiva a serviços ou órgãos do SUS, como se pode observar:
· O art. 199, § 1º da CF, estabelece que “as instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.”
Assim fica evidente que o arcabouço legal do SUS não admite a entrega de capacidade já instalada pelo Estado, a terceiros.
Perda do Controle Social
O controle social sobre as Fundações será quase inexistente, pois as decisões passarão a ser tomadas por um Conselho Administrativo, o qual não prevê a participação social. Somente no Conselho Consultivo Social, o qual é subordinado a este primeiro Conselho, é que se refere a presença de “representantes da sociedade civil, aí incluídos os usuários e outras pessoas físicas ou jurídicas com interesse nos serviços da entidade” (MPOG, 2007).
Ouro aspecto importante é que existe a possibilidade da população ser prejudicada em relação ao acesso aos serviços de saúde a serem prestados pelas Fundações, pela tendência à crescente diminuição de oferta de serviços neste tipo de gestão que tem como lógica o lucro.
Prejudica aos Trabalhadores
A forma de contratação da força de trabalho das Fundações será a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a qual aponta para a quebra da estabilidade do servidor público.
Outro ponto a ser destacado é que os trabalhadores tendem a enfraquecer seu poder de organização como classe, pois com as várias Fundações a serem criadas passam a ser regidos por várias instituições privadas com diversos contratos trabalhistas, não se reconhecendo como uma única categoria, ou seja, como funcionários públicos.
Segundo Granemann (2007), é possível entender que a remuneração da força de trabalho subordina-se ao Contrato de Gestão que cada Fundação Estatal for capaz de estabelecer com o próprio Estado, pois, cada fundação terá seu próprio quadro de pessoal e, por conseqüência seu plano de carreira, emprego e salários. Desta forma, abandona-se o projeto de construção de uma carreira única para os profissionais de saúde. “Esta medida atinge de modo contundente a organização da força de trabalho porque a fragmenta e a torna frágil para lutar por melhores condições de vida [...]” (GRANEMANN, 2007, p.46).
Concordamos com Granemann (2007) ao afirmar que “as fundações no âmbito das políticas sociais são mais graves ainda que todas as privatizações realizadas no período anterior, porque elas atingem direta e profundamente a sobrevivência e as possibilidades de reprodução, não só física, mas consciente politizada da classe trabalhadora”.[2]
Proposta rejeitada pelas instâncias de Controle Social
As instâncias de Controle Social do SUS – as Conferências Nacionais de Saúde (8ª, 10ª, 11ª, 12ª e 13ª) e o Conselho Nacional de Saúde - já deliberaram em defesa do modelo de gestão já consagrado na legislação do SUS: descentralizado, com comando único em cada esfera de governo e com pactuação da política entre as mesmas; com uma rede regionalizada e hierarquizada de serviços, conforme a complexidade da atenção à saúde, sob comando único; com acesso universal e com integralidade da atenção à saúde; com financiamento tripartite; com controle social através da participação social através das Conferências e Conselhos que definem, acompanham e fiscalizam a política de saúde e a utilização de seus recursos.
O Conselho Nacional de Saúde recusou a proposta de Fundação Estatal para o Sistema Único de Saúde, em sua 174ª Reunião, de 13 de junho de 2007.
Resistência às Fundações
No estado de Alagoas está sob ameaça de ser transformada em Fundações Estatais de Direito Privado ou Organização Social de Saúde-OSS, a UNCISAL e o complexo hospitalar de Alagoas (Hospital Geral, Maternidade Escola Santa Mônica, Hospital de Doenças Tropicais Dr. Hélvio Auto, Hospital Portugal Ramalho, além de outros hospitais do interior), e o Hospital Universitário da UFAL.
As organizações da sociedade civil, sindicatos, conselheiros e usuários das diversas políticas sociais, estudantes, alguns gestores e alguns parlamentares se manifestaram contrários a esta iniciativa ao criarem Fórum contra as Fundações Estatais de Direito Privado e em Defesa do Serviço Público e dos Direitos Sociais, que vem desenvolvendo atividades educativas e de resistência aos denominados “novos modelos de gestão do SUS”, que beneficiam o setor privado, prejudicam os trabalhadores, impedem o controle social.
Defende-se a efetivação do SUS, através do modelo de gestão já assegurado na sua legislação, pois os problemas enfrentados pelo SUS não estão centrados no seu modelo de gestão, pelo contrário, a não viabilização dos meios necessários à efetivação deste modelo é que se constitui o problema a ser enfrentado.
[1] Professora Doutora da Faculdade de Serviço Social/UFAL. Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Políticas Públicas, Controle Social e Movimentos Sociais. Integra o Fórum Permanente contra as Fundações Estatais de Direito Privado e em Defesa do Serviço Público e dos Direitos Sociais.
[2] GRANEMANN, Sara. Fundações Estatais: projeto de Estado do capital. In: BRAVO, Maria Inês Souza [et al.] Política de saúde na atual conjuntura: modelos de gestão e a agenda para a saúde. 1ª ed., Rio de Janeiro: UERJ, Rede Sirius, 2007.