Desde fevereiro de 2022, a Prefeitura de Maceió, através da Secretaria Municipal de Saúde de Maceió, vem dando passos largos para entregar a gestão das unidades de saúde da Atenção Básica e os Serviços Odontológicos do Município de Maceió para Organizações da Sociedade Civil (OSC). No último 17 de março, essa Secretaria publicou o Edital de Chamamento Público para seleção de OSC para gerir os equipamentos públicos, nos quais funcionam os referidos serviços de saúde.
As parcerias entre a administração pública e a Organização da Sociedade Civil (OSC) foram instituídas pela Lei n.13.019/2014 e modificada pela Lei n.13.204/2015. Por meio da parceria com a OSC, ocorre a terceirização da gestão pública, mediante contrato de gestão. A OSC a ser contratada pode ser uma entidade privada “sem fins lucrativos”, ou sociedades cooperativas, ou organizações religiosas.
Esse modelo de gestão, via OSC, situa-se dentro dos desdobramentos da contrarreforma neoliberal, empreendida pelos governos de Fernando Henrique Cardoso, que propôs o repasse da gestão de políticas públicas para entidades com personalidade jurídica de Direito Privado, mediante transferência de recursos públicos. Trata-se da terceirização da gestão pública para entidades privadas, ditas “sem fins lucrativos” como as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), criadas pela Lei 9.790/1999; as Organizações Sociais (OSs), criadas pela Lei 9.637/1998, e as Fundações Estatais de Direito Privado.
A Frente Nacional contra a Privatização da Saúde e o Fórum Alagoano em Defesa do SUS consideram que esses modelos de gestão são formas de privatização da saúde pública, já que o Estado abdica da gestão direta dos serviços públicos, repassando equipamentos, pessoal e recursos públicos para entes privados, através de parcerias e contratos de gestão. Estão no bojo de fortalecimento da lógica de mercado, em nome da pseudomodernização da máquina pública e de um suposto enxugamento dos gastos, por meio da terceirização da execução das políticas públicas, em que cabe ao Estado o seu financiamento e controle e, às entidades privadas, a sua execução, mediante repasse dos recursos públicos. Têm como objetivo as parcerias com entidades privadas para gerir o que é público.
De acordo com o processo 5800/15673/2022, aberto pela Secretaria Municipal de Saúde de Maceió (SMS/Maceió), em 10 de fevereiro de 2022, para seleção de Organização da Sociedade Civil (OS), “a Gestão Pública do Sistema Municipal de Saúde regula, monitora, avalia e controla as atividades assumidas pela OSC, [...] enquanto a OSC gerencia e produz serviço dentro de critérios especificados no processo de seleção do Termo de Colaboração.” (p.6).
Ressalta-se que, conforme o termo de Referência que apresenta as exigências técnicas e qualificadoras para a colaboração entre a SMS/Maceió e a OSC, “o funcionamento destes serviços operacionalizar-se-á por meio de modelo de gestão compartilhada, e, caberá às pretensas entidades organizarem a oferta dos serviços em saúde, [...], contudo, cabe ao executivo municipal, no respeito a sua prerrogativa de ente federativo a garantir a população usuária um serviço de qualidade, regular, fiscalizar, bem como, impor regras e limites mínimos a seus parceiros privados na execução de suas atividades no bojo do ajuste administrativo firmado” (p.26).
Nesse documento, estão previstos os repasses dos serviços de Atenção Básica do município de Maceió para as Organizações da Sociedade Civil: “Estratégia Saúde da Família (ESF), equipes de Atenção Primária (eAP), equipe de Consultório na Rua (eCR), Programa Saúde na Hora, equipes de Saúde Bucal (eSB), Academia da Saúde, Equipes de Atenção Domiciliar” (p. 22), além da rede de Serviço Odontológicos.
As unidades de saúde e suas respectivas equipes estarão divididas em 2 Lotes “no escopo de serviços e obrigações a serem ofertados para pactuação, levando em consideração a estruturação do Bloco de Atenção Básica”, em função dos Distritos Sanitários: o Lote 1 corresponderá aos III, IV, VI, VII Distritos Sanitários e Serviços de Atenção Domiciliar, e será repassado para a OSC contratada o Valor Mensal de: R$ 3.229.557,27 (Três milhões, duzentos e vinte e nove mil, quinhentos e cinquenta reais e vinte e sete centavos)e o Valor Anual de: R$ 38.754.687,32 (Trinta e oito milhões, setecentos e cinquenta e quatro mil, seiscentos e oitenta e sete reais e trinta e dois centavos). O Lote 2 corresponderá aos I, II, V, VIII Distritos Sanitários e Consultórios na Rua, e será repassado para a OSC contratada o Valor Mensal de: 2.766.950,90 (Dois milhões, setecentos e sessenta e seis mil, novecentos e cinquenta reais e noventa centavos) e o Valor Anual de: 33.203.410,89 (Trinta e três milhões, duzentos e três mil,quatrocentos e dez reais e oitenta e nove centavos). (p.28).
Desta forma, o montante de recursos públicos a serem repassados da SMS/Maceió para as OSCs, por meio de Contrato de Gestão corresponde ao valor mensal de R$ 5.996.508,17, e ao valor de R$ 71.958.098,04 para os 12 meses iniciais de contrato. (p.120). Destaca-se que mesmo repassando a estrutura física das unidades próprias para realização dos serviços, os servidores públicos e os valores mencionados para as Organizações da Sociedade Civil a serem contratadas, o poder público municipal
continua a ter a obrigatoriedade de realizar a “Aquisição de equipamentos para realização de exames de imagem nos serviços odontológicos”; a “Disponibilização de imunobiológicos para as unidades de saúde da Atenção Básica”; e a “Disponibilização de Equipamentos de informática”.(Anexo A, Matriz de responsabilidade do poder público e da entidade contratada, pgs. 52 e 53).
Conforme o citado documento, as OSCs passariam a gerir, operacionalizar e executar ações e serviços de saúde da Atenção Básica do Município de Maceió. Cabe destacar que os modelos privatizantes de gestão têm sido alvo de inúmeras críticas por apresentarem medidas como: a flexibilização dos direitos trabalhistas, com o fim dos concursos públicos; possuir um regime de metas que tecnifica o trabalho e se distancia das reais necessidades da população; dispensa licitações, processo que fragiliza a transparência na gestão dos serviços e o controle social, e tem resultado em inúmeras denúncias de corrupção em vários municípios brasileiros. Podemos citar como exemplo o caso do município do Rio de Janeiro que realizou a contratação de OSs, as quais são alvos das denúncias de atrasos nos salários e de piora na prestação dos serviços, foi comprovado o desvio de R$ 50 milhões dos cofres públicos da saúde, em 6 meses¹.O final das investigações de desvio de recursos públicos envolvendo duas OSs no Rio de Janeiro, levou ao impeachment do então governador Wilson Witzel.
Ademais, conforme consta no referido Processo, a entidade privada contratada além de “se responsabilizar pela gestão administrativa da Unidade”, irá “responsabilizar-se integralmente pela contratação de pessoal e de terceiros para execução dos serviços que compõem o objeto pactuado” [...] e “deverá prover a contratação dos recursos humanos em conformidade com os dispositivos legais da Consolidação das Leis Trabalhista (CLT). Exclusivamente para a categoria médica, será permitida a contratação por meio de contrato para prestação de serviço, por pessoa jurídica.” (p. 108). Será o fim dos concursos públicos para a rede municipal de saúde.
Diante do exposto, o Fórum Alagoano em Defesa do SUS, as entidades sindicais e os movimentos sociais signatários desta Nota, vêm à público demonstrar a total discordância e rejeição à terceirização e privatização da Atenção Básica e dos Serviços Odontológicos do Município de Maceió. Serviços de relevância ímpar, pois 80% das causas de adoecimento da população de Maceió podem ser enfrentadas com ações de promoção, educação e vigilância à saúde. É necessário priorizar a Atenção Primária em Saúde, pois de acordo com o Plano Municipal de Saúde de Maceió 2018/2021, 53% das metas para estruturar a Atenção Básica de Maceió não foram cumpridas, mais de 55% da população de Maceió não tem cobertura da atenção básica. Além disso, a cobertura populacional do Estratégia Saúde da Família em Maceió não chega a 27%.
Portanto, os movimentos e entidades abaixo relacionadas ratificam a gravidade da adesão da SMS/Maceió ao modelo de gestão via Organização da Sociedade Civil, ou através de qualquer outro modelo privatizante de gestão, enfatizando a necessidade da ampliação e fortalecimento da Atenção Básica em Saúde, por meio de medidas como a realização de concursos públicos pelo Regime Jurídico Único (RJU), a valorização dos servidores públicos e a ampliação do seu financiamento.
Em defesa de serviços públicos de qualidade, sob gestão direta do Município!
Pela ampliação da Atenção Básica em Saúde!
Concurso público via RJU já!
Recursos públicos exclusivamente para a ampliação da rede pública!
Saúde não é mercadoria!
Assinam a Nota contra a privatização das Unidades Básicas de Saúde de Maceió via Organização da Sociedade Civil (OSC):
ABEn AL - Associação Brasileira de Enfermagem seção Alagoas
ADUFAL - Associação dos Docentes da Universidade Federal de Alagoas
AMCPB - Associação dos Moradores do Conjunto Professor Paulo Bandeira
ANEPS- Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde/ALAGOAS
ASSUMPI/AL - Associação de Usuários, Familiares e Amigos da Luta
Antimanicomial de Palmeira dos Índios/AL
Centro Acadêmico de Psicologia/UFAL - Gestão Carolina Maria de Jesus
Centro Acadêmico 12 de Maio - Curso Enfermagem UFAL
Centro Acadêmico Sebastião da Hora-Famed/UFAL- Gestão AmarElo
Centro Acadêmico de História Dirceu Lindoso
Centro Acadêmico de Enfermagem Eva Farias-UNCISAL
Centro Acadêmico do Fisioterapia Ubuntu-UNCISAL
Conselho de Entidades de Bases- UNCISAL
CFCAM/AL - Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro
Coletivo Massunim de Redução de Riscos e Danos
CRESS/AL - Conselho Regional de Serviço Social
CUT Alagoas - Central Única dos Trabalhadores
Diretório Central dos Estudantes Quilombo dos Palmares (UFAL)
Diretório Acadêmico 2 de Maio- Medicina/UNCISAL
Diretório Acadêmico Nossa Voz- Fonoaudiologia/UNCISAL
Diretório Acadêmico de Terapia Ocupacional/UNCISAL
Diretório Acadêmico dos Cursos Tecnológicos/UNCISAL
Diretório Central dos Estudantes Nise da Silveira/UNCISAL
Fórum Alagoano em Defesa do SUS e Contra a Privatização da Saúde
Fórum de Saúde Mental de Maceió/AL
Frente Nacional Contra Privatização da Saúde-FNCPS
Grupo de Pesquisa e Extensão Frida Kahlo- FSSO/UFAL
Instituto Casa Viva
MLC/AL - Movimento Luta de Classes
MNPR/AL - Movimento Nacional da População em Situação de Rua
MTST - Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
PCB - Partido Comunista Brasileiro
PSOL Alagoas - Partido Socialismo e Liberdade
PSOL Maceió - Partido Socialismo e Liberdade
PT Alagoas - Partido dos Trabalhadores
RENILA - Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial
Resistência Popular de Alagoas
SASEAL - Sindicato dos Assistentes Sociais de Alagoas
SATEAL - Sindicato dos Técnicos e Auxiliares de Enfermagem de Alagoas
SINDACS-AL - Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde de Alagoas
SINDAS/AL - Sindicato dos Agentes de Saúde de Alagoas Sindicato dos Urbanitários de Alagoas
SINDJUS/AL - Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário Federal em Alagoas
SINDNUT/AL - Sindicato dos Nutricionistas do Estado de Alagoas
SINDPREV - Sindicato dos trabalhadores da Saúde, Previdência, Seguro Social e Assistência Social
SINDPSI/AL - Sindicato dos Psicólogos de Alagoas
SINEAL - Sindicato dos Enfermeiros de Alagoas
SINFEAL - Sindicato dos Trabalhadores Em Empresas Ferroviárias do Estado de Alagoas
SINTESFAL - Sindicato dos Trabalhadores em Entidades Sindicais, Órgãos Classistas e Federações do Estado de Alagoas
SINTIETFAL - Sindicato dos Servidores Públicos Federais da Educação Básica e Profissional no Estado de Alagoas
SOEAL - Sindicato dos Odontologistas do Estado de Alagoas
UJC/AL - União da Juventude Comunista
UP/AL - Unidade Popular de Alagoas
Instituições e Organizações de outros estados:
ANEPS - Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde
Associação Loucos Por Você – Ipatinga/MG
ASUSSAM/MG - Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais
CBLA/BA - Coletivo Baiano da Luta Antimanicomial/BA
FETESSNE- Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Nordeste
FLAMAS/SP - Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba
Fórum Cearense da Luta Antimanicomial/CE
Fórum Gaúcho de Saúde Mental/RS
Frente Mineira Drogas e Direitos Humanos/MG
FNTSUAS- Frenta Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras do Sistema Unico de Assistência Social
Fórum Mineiro de Saúde Mental/MG
Movimento da Luta Antimanicomial/PA
Movimento Pró-Saúde Mental/DF
MOPS-Movimento Popular de Saúde
MNLM - Movimento Nacional de Luta pela Moradia
MNU - Movimento Negro Unificado
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MTD - Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos
MUDI-Movimento de Moradores e Usuários em Defesa do IASERJ/SUS
NESM/BA - Núcleo de Estudos Pela Superação dos Manicômios
NUMANS/PE-BA - Núcleo de Mobilização Antimanicomial do Sertão Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial Libertando Subjetividades/PEMOPS (Movimento Popular de Saúde)
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1 Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/09/16/pelo-menos-cinco-organizacoes-sociais-alimentaram-a-caixinha-da-propina-da-saude-do-rj-diz-mpf.ghtml