sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A CRISE DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE

Francisco Júnior*

Na reunião de dezembro, quando estava pautado o processo eleitoral do Conselho Nacional de Saúde, a representação do governo e prestador de serviços apresentou, na abertura dos trabalhos, uma questão de ordem. De acordo com o questionamento apresentado, havia um descompasso entre o decreto que regulamenta o CNS, e o Regimento Interno que "define a sua organização e normas de funcionamento".

No decreto está determinado que o "mandato dos membros do CNS é de 3 anos, podendo ser renovado por mais 3 (a pessoa física), sendo o seu presidente eleito na reunião em que os membros do CNS tomam posse, ou seja, de três em três anos.

O Regimento interno por sua vez, em desacordo com o decreto, estabelece que o mandato do presidente do CNS é de 1(um) ano, podendo ser renovado de acordo com o que determina o decreto ou seja, até dois períodos de três anos.

Ao mesmo tempo e diante da insistência de alguns conselheiros em realizar a eleição, os representantes dos gestores comunicaram que se houvesse a eleição sem que essa dúvida jurídica fosse dirimida, promoveriam uma ação judicial visando a sua anulação.

No meu entendimento, o fato de se ter estabelecido - na minha compreensão de maneira ilegal e politicamente equivocado - que o mandato do presidente é de apenas um ano, criou uma situação de permanente disputa interna no CNS. No meu caso específico, como na verdade só me submetí a duas eleições que foram exatamente como diz o decreto, na reunião de posse dos conselheiros em 2006 e 2009, não foi praticada até agora nenhuma ilegalidade na definição do presidente do CNS. Nos dois anos em que não houve posse de conselheiros, 2007 e 2008, eu fui reeleito por aclamação.

Portanto, a nossa situação no CNS no que diz respeito ao decreto, instrumento jurídico maior e definidor da sua estruturação, organização e funcionamento, e do próprio Regimento Interno, é absolutamente legal. Afirmamos isso enfaticamente como forma de não deixar qualquer margem de dúvidas em relação a determinadas insinuações que, não sabemos se fruto da desinformação ou de má fé, afirmam que o processo que culminou com a minha reeleição em 2009 teria sido ilegal.

Mesmo sendo reeleito em duas oportunidades por aclamação, na verdade em todo esse período tem acontecido um permanente processo de mobilização e de disputa patrocinado por alguns conselheiros, que almejam legitimamente, ocupar a presidência do CNS. Em certa medida, e dependendo de como isso ocorra, é absolutamente natural e legítimo. Ao mesmo tempo, todo esse clima cria uma atmosfera desagradável de crítica nem sempre fundamentada, ao que seria na visão de alguns, uma inoportuna continuidade, autoritarismo, personalismo, falta de oportunidade para outros conselheiros e segmentos, e outros conceitos e argumentos menos votados.

Se o mandato do presidente fosse de três anos, permitida uma recondução por igual período como manda o decreto, com certeza muito do que tem acontecido durante todo esse período, não aconteceria.

Com o fato da questão de ordem estabelecido, eu declarei nas reuniões de negociação que então começaram a acontecer, que independente da questão jurídica e de possível impedimento legal para a realização da eleição do presidente, EU política e publicamente fui eleito em 2009 para um mandato de um ano, que para mim a questão era eminentemente política e, portanto, não caberia termos como referência, o decreto. Se juridicamente fosse necessário então, eu renunciaria ao mandato de modo a garantir a realização da eleição, se fosse essa a vontade majoritária do Pleno.

Desde o primeiro momento que faço parte de um grupo de conselheiros que entende que os mandatos do presidente e da mesa diretora do CNS devem ser de três anos. Ao mesmo tempo, defendemos também que esses mandatos devam antes mesmo de completar o período de três anos, serem periodicamente avaliados pelo Pleno que deve decidir inclusive, pela eleição antecipada ou não, através de quorum qualificado. Ou seja, a definição se ocorre ou não eleição antes de completar o mandato de três anos, seria consequência de um processo político garantido legalmente e não de uma disputa legalista, desqualificada e burocratizada.

Foi exatamente isso que propus na reunião de dezembro. Que em janeiro, o pleno faça uma avaliação da gestão como um todo e em seguida decida se deve ou não acontecer eleição para presidente e mesa diretora. Essa proposta foi aprovada e a avaliação está pautada para a reunião de janeiro. No meu entendimento e dado ao clima de acirramento e de disputa, o Pleno deve votar pela realização de eleições que acontecerão então na reunião de fevereiro, independente da avaliação que será feita.

No final do ano passado foi aprovada uma moção de apoio a minha manutenção na presidência do CNS, por aproximadamente 1.400 conselheiros de saúde de todos os segmentos reunidos em Brasília. A mesma coisa foi feita por 23 representantes de estados brasileiros que compõem a Coordenação da Plenária Nacional de Conselhos de Saúde. A representação titular de trabalhadores do CNS, com exceção do CEBES e Abrasco, e alguns representantes de outros segmentos também defendem a minha manutenção, em função do trabalho que vem sendo realizado e da conjuntura que se desenha. Onde tenho ido pelo país a fora, também tenho ouvido manifestações de apoio.

Tenho respondido a tudo isso afirmando que vou pensar e avaliar se realmente devo ou não me candidatar outra vez. Acho que o processo que tem acontecido como um todo é muito frágil, despolitizado, com uma deliberada disputa de segmentos e com alguns discursos sem a menor fundamentação mais séria, como é o caso daquilo que seria a imperiosa necessidade de renovação, de rodízio e democratização, como se democracia fosse algo bem simples e significasse exclusivamente a realização de eleições. Com todo o respeito que merece não vejo como salutar a princípio, da minha parte, a sua legitimação.

Ao mesmo tempo, até redigimos uma nota sobre todo esse processo para colocar na página do CNS. Acreditem, simplesmente não houve consenso sobre o texto e tivemos que abdicar da idéia.

A minha avaliação é de que o CNS tem cumprido um papel fundamental em defesa dos princípios do SUS, tem cumprido um papel de crítica e resistência a atores que efetivamente têm trabalhado fortemente para desconstruir o SUS durante todos esses anos, e mais importante ainda, tem apresentado propostas que real e efetivamente fazem o enfrentamento com os grandes interesses políticos e econômicos que têm desestruturado o sistema e que se colocadas em prática, dariam um salto de qualidade a curto prazo.

A maioria das críticas que de forma reiterada, sistemática, deselegante e desqualificada temos recebido, é exatamente desses setores e estamos como sempre estivemos, maduros para absorvê-las. Não tenham dúvidas de que assim como pagamos até agora um preço elevado pela coragem de se contrapor a propostas totalmente contrárias ao escopo central da reforma sanitária, continuaremos pagando o preço que for cobrado, em nome da coerência e daqueles que sempre cerraram fileiras na defesa do SUS e dos seus princípios, independente da composição ou da direção política do Conselho Nacional de Saúde.

Estou absolutamente convicto de que a superação desta que considero a primeira e significativa crise política interna enfrentada pelo Conselho Nacional de Saúde nos últimos oito anos, produzirá uma maturidade maior, aprofundamento do seu auto conhecimento e ganhos inquestionáveis no processo de qualificação do jogo democrático do Controle Social, do qual o Conselho Nacional de Saúde tem sido indubitavelmente, o maior exemplo para o país.

*Farmacêutico, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social da CUT, no Conselho Nacional de Saúde.

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