Entrevista com Ludimar Rafanhin, advogado que representou o Sindicato dos Trabalhadores da Saúde do Estado do Paraná no julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a Lei das Organizações Sociais. O Sindisaúde atuou como amicus curiae na Adin.
Proposta em 1998, durante o governo de FHC, a Lei 9. 637/98 estabeleceu normas que dispensam de licitação a celebração de contratos de gestão firmados entre o Poder Público e as organizações sociais para a prestação de serviços públicos de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação ao meio ambiente, cultura e saúde. O julgamento está suspenso por um pedido de vistas do ministro Luiz Fux.
ENTREVISTA PARA TODOS
ParaTodos: Esta lei permitiu ao Poder Executivo instituir o programa nacional de publicização e transferir para entidades de direito privado atividades diversas. Qual é o principal argumento para demonstrar a inconstitucionalidade da lei?
A Açao Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Partido do Trabalhadores e Partido Democrático Trabalhista, no ano de 1999, alegou ofensa a diversos dispositivos da Constituiçao . O próprio relator, que chamou a lei de uma “aberração”, disse que nunca uma adin alegou ofensa a tantos dispositivos constitucionais.
Foi alegada ofensa aos dispositivos que tratam do concurso público, licitação, princípios do artigo 37 aplicáveis à Administração Pública.
Foi sustentado ainda que jamais a lei poderia ter dito que as Organizações Sociais ficam imunes a qualquer tipo de fiscalização por parte dos órgãos de controle interno e Ministério Público.
No caso específico da saúde, teria havido ofensa ao dispositivo que diz que a iniciativa privada pode prestar o serviço apenas de forma complementar e quando esgotadas as condições do próprio serviço público.
Foram atacados todos os dispositivos que extinguiram e autorizam a extinção de estruturas estatais com cessão de bens e servidores às denominadas Organizações Sociais.
Em síntese, a ADIN faz profunda discussão sobre o papel do Estado Brasileiro enquanto prestador de serviços e regulador.
ParaTodos: Temos hoje um panorama do que significou a brecha aberta por esta lei sobre a estrutura administrativa do estado brasileiro? Em que área houve maior transferência de serviços públicos para a iniciativa privada?
A Lei Federal 9637/1998, impugnada pela ADIN, trata dos serviços públicos federais, mas ela serviu como parâmetro para muitas leis estaduais e municipais pelo Brasil inteiro.
Na União foram extintos alguns órgãos públicos pela própria lei, mas posteriormente poucos órgãos públicos federais foram extintos e repassados para Organizações Sociais. Ocorre que a lei federal serviu como modelo para estados e municípios esse é o seu mais nocivo efeito.
Por meio de leis estaduais e municipais foram qualificadas entidades em estados e municípios para desenvolver atividades nos mais diferentes segmentos, tais como, saúde, educação, assistência social, informática e outras.
Em São Paulo, por exemplo, um grupo de empresários da construção civil criou uma OS para assumir serviços de saúde.
Em Curitiba existem duas organizações sociais: O Instituto Curitiba de Informática e o Instituto Curitiba de Arte e Cultura.
Não foram criadas OSs para assumir saude e educacao pois quando foi aprovada a lei de Curitiba, a Bancada do PT, articulada pelo então vereador Tadeu Veneri, conseguiu aprovar emenda excluindo saúde e educação da lei.
Por outro lado, o Estado do Paraná e o Município de Curitiba lançaram mão de outros instrumentos tão nocivos como as organizações sociais para prestar serviços públicos. As unidades de saúde 24 horas, de Curitiba, funcionam com médicos todos contratados através outras instituições, como é o caso do Hospital Evangélico, Hospital Cajuru e FUNPAR. Os hospitais do Estado, como é o caso do Hospital do Trabalhador, funcionaram durante anos quase que exclusivamente com funcionários contratados pela FUNPAR, outras entidades ou por meio de cooperativas de profissionais. Apesar da realização de concurso público pelo Estado do Paraná, a realidade ainda não mudou.
Outro exemplo dessas aberrações é Centro Hospitalar de Reabilitação construído pelo estado sobre terreno da APR com o compromisso de desapropriação depois de 10 anos. É preciso lembrar também que Curitiba tentou privatizar as creches municipais repassando para entidades de direito privado. Os movimentos sociais precisam retomar o debate e a mobilização para enfrentar o modelo de prestação de serviços públicos pelo Estado do Paraná, Município de Curitiba e outros municípios do Paraná.
ParaTodos: Qual é o efeito mais nocivo dessa lei para a população? Em Curitiba e nosso estado temos muitas dessas organizações atuando no lugar da administração pública?
O efeito mais nocivo é a retirada do estado de suas funções e a transferência para entidades privadas que prestam serviços sem qualquer controle pelo próprio Estado.
Os serviços são prestados por profissionais sem concurso publico e sujeitos à alta rotatividade do pessoal com evidente desvinculação da população atendida. As entidades não realizam licitação e os serviços são prestados a partir do interesse da iniciativa privada, embora a lei diga que as entidades não podem ter fim lucrativo.
O serviço público passa a ser um negócio privado.
ParaTodos: Qual é a diferença entre as organizações sociais e as Oscips?
As OSs derivam de extinção de órgãos públicos e a sua qualificação para prestar os serviços. É possível a criação da entidade com essa finalidade especifica como foi o caso do Instituto Curitiba de Informatica e Instituto Curitiba de Arte e Cultura.
Uma vez qualificada, a OS assina um contrato de gestão com a Administração Publica e passa a realizar integralmente os serviços podendo receber a estrutura física e servidores públicos.
As OSCIPs são entidades pré-constituidas e quando cumprem os requisitos da lei das OSCIPs pedem a sua qualificação e firmam um termo de parceria para prestar determinado serviço. As OSCIPs integram o chamado terceiro setor.
As duas formas de organização visam substituir o papel do Estado na prestação de serviços públicos e firmam-se na tese do estado mínimo e surgiram a partir das reformas do estado operadas principalmente pela Emenda Constitucional 19 de 1998.
ParaTodos: O relator da Adin no STF, ministro Ayres Britto, observou que o número de dispositivos constitucionais supostamente violados por essa lei é muito grande e votou pela sua inconstitucionalidade. Qual é a tendência do julgamento desse caso?
O julgamento foi suspenso em razão do pedido de vistas do Ministro Luiz Fux.
Em seu voto, o relator disse que a lei e uma aberração e fez longo estudo diferenciando o que são serviços públicos que devem ser prestados diretamente pelo estado, serviços públicos que podem ser prestados pela iniciativa privada e serviços privados de relevância social.
Antes de proferir o seu voto ocorreu a manifestação da Subprocuradora da Republica que atua no STF Débora Duprat. Ela disse que não se pode dizer que devem existir as OSs sob o argumento que o Estado não tem condições de prestar os serviços públicos. Ela sustentou que não se pode falar em falência do estado quando nem mesmo as obrigações do artigo 37 da Constituição Federal foram efetivadas e organizadas.
Segundo o voto do relator, a lei não é inconstitucional em sua totalidade mas julgou no seguinte sentido:
- Julgou inconstitucionais os artigos 14 a 22 quanto à extinção dos órgãos públicos e cessão da estrutura as entidades privadas denominadas OSs;
- A criação do Programa Nacional de Publicização não pode ser por decreto;
- Deve ser afastada qualquer interpretação da lei que vise afastar a fiscalização dos órgãos de controle e Ministério Publico;
- Servidores cedidos somente podem receber verbas criadas e amparadas por lei, com desconto previdenciário para fins de incorporação a aposentadoria;
- Deve existir um processo seletivo objetivo para escolher uma OS se existirem outras interessadas;
- A contratação de empregados pela OS deve estar subordinado a processo seletivo objetivo.
O ideal é que a lei fosse integralmente inconstitucional mas entendo que as questões mencionadas criam freios que certamente desmotivarão pessoas e entidades a se utilizarem das OSs.
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