Raquel Júnia - Escola Politécnica de Sáude Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
O seminário nacional da Frente Contra a Privatização da Saúde reuniu cerca de 400 pessoas nos dias 22 e 23 de novembro, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). A partir do tema "20 anos do SUS: lutas sociais contra a privatização e em defesa da saúde pública estatal", os participantes reafirmaram a importância de fortalecer o movimento em defesa do SUS nos moldes da mobilização do final da década de 1980, que resultou na incorporação da saúde como direito universal na Constituição de 1988. Militantes dos fóruns de saúde do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Norte e Alagoas participaram do evento, bem como militantes de movimentos sociais, trabalhadores da saúde e sindicatos desses estados e também do Pará, de Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Bahia.Ao final do encontro os participantes aprovaram propostas de fortalecimento da Frente, além de atividades como mobilizações nacionais e de formação política. Uma coordenação nacional composta por diversas entidades sindicais, estudantis e partidos políticos foi eleita. Além disso, foi aprovada também a realização de um segundo seminário nacional antes da 14ª Conferência Nacional de Saúde, prevista para o final de 2011. "Estávamos prevendo um seminário com 200 pessoas e o número de participantes chegou ao dobro, os estados vieram com delegações grandes, há entidades nacionais e também partidos políticos", comemora a professora da Uerj Maria Inês Bravo, do Fórum de Saúde do Rio de Janeiro. "Diante da conjuntura nacional e internacional, a perspectiva é de contra-reforma na saúde e de adoção dos modelos privados. É só através da luta que vamos reverter esse quadro, e por isso a importância deste seminário, dos fóruns, de formação de novos quadros", acrescenta.
Durante todo o seminário foi ressaltada a importância de que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 1923/98, que questiona a Lei 9.637/98 . A lei prevê a criação das Organizações Sociais (OS) e a celebração de contratos de prestação de serviços do poder público com essas organizações da iniciativa privada, que podem passar a controlar toda a gestão dos serviços públicos. Os participantes relataram que as OS na saúde são uma realidade em vários estados, o que precariza as relações de trabalho e o atendimento à população.
Enfrentamento da privatização
Na primeira mesa do seminário - Privatização na saúde e afronta aos direitos -participaram a professora da Universidade Federal Fluminense e da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Virgínia Fontes, a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Fátima Silianski e a desembargadora Salete Macaloz. A mesa foi coordenada pela professora da Universidade Federal de Alagoas Maria Valéria Correia. As três palestrantes concordaram na análise de que a saúde pública brasileira está sendo privatizada de diversas formas.
Virgínia Fontes ressaltou a importância do seminário dentro de uma conjuntura mundial financeirizada, que tem efeitos em vários aspectos sociais. Neste sentido, falou sobre a relevância de os movimentos sociais se fortalecerem diante de instituições que querem acalmar aqueles que não aceitam esta realidade. "Nos últimos 10, 15 anos, foram várias as lutas capturadas", alertou. A professora criticou a falta de compromisso com a igualdade das duas gestões do governo do Partido dos Trabalhadores (PT) e possivelmente da terceira. "Entramos no terceiro mandato do PT sem compromisso público de igualdade. E é nessa complexidade que temos que buscar qual é o lugar da nossa luta. Ela deve ser contra a capacidade do capital de comprar alguns", destacou. Virgínia ressaltou também a importância de a Frente Contra a Privatização da Saúde estabelecer um programa de formação sócio-político e ambiental pela saúde. "A população não é boba e é nosso compromisso tornar claro para ela toda esta situação", diz.
Fátima Silianski chamou atenção para como este projeto maior de privatização do Estado se junta aos interesses de mercantilização da saúde. Ela explicou que nos anos 1980, com a liberação de mercado em diversas áreas, se aprofundou o desmonte público com a reafirmação da ideia de que o que é público tem que ser ruim. O processo de privatização, segundo a professora, se intensifica. "Há, inclusive, ‘quinterização' dos serviços prestados", denuncia.
Para Salete Macaloz, as privatizações tendem a continuar e o capital sabe exatamente onde é importante desmantelar o Estado. "O capital é diabólico. Eles querem um lucro mais livre, portanto não interessa, por exemplo, privatizar o equipamento do hospital, mas sim o recurso público", afirmou. Ela também avaliou que o mandato da presidente Dilma Roussef não mudará esta situação sem pressão popular, e disse que o governo Lula foi omisso. Salete incentivou os participantes a exigirem direitos: "Vocês devem exigir uma audiência com a Dilma antes do Natal para apresentarem a ela as propostas deste Fórum. É preciso sair desta situação amorfa que, política e juridicamente, é de passividade", provocou.
Movimentos sociais comprometidos com a saúde pública
A mesa Movimentos sociais e saúde - que SUS defendemos? reuniu representantes de diversos movimentos e entidades, que reafirmaram a importância de lutarem conjuntamente em defesa do direito universal à saúde. Participaram o Sindicato Nacional de Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), a Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (Fasubra), as centrais sindicais CSP-Conlutas, Intersindical e CTB, o Seminário Livre pela Saúde, a Central de Movimentos Populares (CMP), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Fórum Nacional de Residentes em Saúde. Foi realizada também uma mesa com partidos políticos e parlamentares, durante a qual também foi feito um compromisso público de luta contra a privatização do SUS.
"Esta luta pela saúde vai além. É uma luta também contra este modelo econômico, no qual a propriedade privada é mais importante do que os indivíduos e os transforma em coisas. E coisas não podemos ser. Queremos ser valorizados e humanizados", falou a representante do setorial de saúde do MST, Ivi Tavares.
Os representantes dos Fóruns de Saúde dos estados também compuseram uma mesa e relataram os problemas vividos em cada local. Vários exemplos foram dados de contratos de trabalho precarizados, contratos com OS, hospitais públicos desmantelados, estabelecimento de Fundações Estatais de Direito Privado e até perseguição aos militantes da saúde. "A participação dos militantes mostra que estes ataques à saúde pública têm acontecido em todos os níveis no Brasil, nos estados e nos municípios. E o seminário mostra também que há uma preocupação muito grande dos movimentos sociais, dos estudantes, da academia e dos trabalhadores", avalia o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc), Paulo César Ribeiro.
Para ele, a participação expressiva no seminário pode ser fundamental para unificar o movimento. "O que percebemos é que tínhamos movimentos pulverizados. Os estados estavam se organizando, mas de forma desarticulada - e este é um momento muito importante para tentarmos aglutinar essas forças e dar continuidade a esta luta contra as privatizações que estão sendo estruturadas cada vez mais pelos governos. Precisamos estar preparados para enfrentar isso", conclui.
Fonte: Fiocruz
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