domingo, 25 de abril de 2010

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Organizações sociais recebem R$ 340 mil

Em SP, entidades privadas administram projetos públicos e dominam cultura

Para críticos, modelo é uma privatização branca, já Estado defende que OS flexibiliza gestão; organizações são hoje superestruturas


FABIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL

No primeiro contrato que assinou com a Secretaria de Estado da Cultura, em novembro de 2004, a Apaa (Associação Paulista dos Amigos da Arte) recebeu R$ 6,5 milhões de verba pública para administrar por um ano quatro teatros e um centro cultural. Neste 2010, quando acumula a gestão de uma penca de outros projetos e eventos, a entidade ganhará do governo pelo menos R$ 45,9 milhões.
Na época do primeiro repasse, a Apaa tinha 76 funcionários; hoje, possui 297.
Crescimento parecido teve a Associação dos Amigos do Projeto Guri, que administra oficinas de educação musical a crianças e jovens: dos R$ 15,2 milhões recebidos em 2005 (para atender 21 mil alunos), saltou para R$ 56 milhões em 2010 (previsão de atender 53 mil alunos). Tinha no início 55 empregados; hoje, são 1.631.
Ambas são OS (Organizações Sociais) do setor cultural, entidades de direito privado sem fins lucrativos, credenciadas, por lei, para administrar projetos e equipamentos culturais públicos. E, como muitas das 19 entidades credenciadas, multiplicaram com rapidez verba e atribuições, tornando-se superestruturas.
Passados cinco anos dos primeiros contratos, assinados no fim de 2004, todos os equipamentos culturais do Estado são administrados por OS com dinheiro público. O valor dos repasses aumenta a cada ano. Em 2008, o percentual destinado às OS atingiu 69,7% do orçamento da secretaria -depois, decaiu pelo aumento do investimento em obras.
Também utilizado na área de saúde, as OS são amparadas por uma lei estadual. O texto dispensa licitação para a escolha das entidades. Impõe a criação de conselhos de administração, fiscalização externa e a publicação anual de relatórios.
Decreto de 2006 fixou normas para contratação de pessoal pelas OS, como divulgação do processo seletivo e vedação à admissão de parentes dos diretores (que são remunerados) e conselheiros (não são).
A natureza jurídica das OS permite que elas captem recursos além da verba pública, mas em geral essa fonte "externa" representa minoria nos orçamentos. Isso até em casos como o da Fundação Osesp (da Sinfônica do Estado). Com grande potencial de retorno e um conselho repleto de personalidades, receberá em 2010 ao menos R$ 43 milhões do governo, enquanto, segundo a secretaria, a previsão de captação de outros recursos (incluindo Lei Rouanet) é de R$ 24 milhões.
Críticos alegam que o modelo é uma privatização branca. O Estado defende que as OS flexibilizam a gestão. Para o secretário da Cultura, João Sayad, o modelo está consolidado.
À secretaria, diz ele, cabe definir as políticas públicas. A diretriz às vezes entra em choque com a desejada autonomia das OS quanto ao rumo artístico dos projetos.

"Modelo garante a continuidade de projetos artísticos", afirma Sayad DA REPORTAGEM LOCAL

Quando assumiu o cargo, no começo de 2007, o secretário estadual da Cultura, João Sayad, disse já ter encontrado implantado o modelo de OS (Organização Social), iniciado na gestão de Cláudia Costin. "Chegamos com a tarefa de acabar com o quadro de credenciados, um tipo de contratação não prevista em lei, e de fazer com que as OS fossem de fato organizações republicanas, com administração profissional, contratação por processos seletivos abertos e sob o regime de CLT. Essa tarefa está finalizada e acho que, modéstia à parte, foi bem executada", afirma.
Leia a seguir trechos da entrevista em que defendeu o formato.
(FV)

FOLHA - Por que o Estado transferiu todos os equipamentos culturais para as OS?
JOÃO SAYAD
- Para tornar a administração flexível, dar continuidade. Assim como um juiz é contratado com estabilidade para não ser pressionado pelo poder Executivo, as OS garantem a continuidade de seus projetos artísticos.

FOLHA - Se as políticas públicas são definidas pelo governo, como garantir autonomia às gestoras?
SAYAD
- Vamos pensar na Osesp. A política pública diz: queremos ter uma orquestra sinfônica pública, que se apresente frequentemente para o público de São Paulo e do Brasil. Agora, quem escolhe o maestro e o repertório não é o secretário da Cultura, mas o maestro, a direção artística, em acordo com o conselho.

FOLHA - É que, no caso da Osesp, houve, no meio musical, críticas quanto à interferência política.
SAYAD
- Pois é, que houve, houve. Mas que é falso, é falso. A contratação do maestro [Yan Pascal Tortelier] foi decisão do conselho e a demissão, aliás, o pedido de demissão [do regente anterior, John Neschling] foi do maestro e a aceitação do pedido de demissão foi do conselho. Não temos nada a ver com isso.

FOLHA - Já que não há licitação, como a secretaria define qual OS vai gerir um projeto ou equipamento?
SAYAD
- Primeiro incentivamos a montagem de um cadastro de OS. Não apareceram muitas. Sempre escolhemos depois de um anúncio público. É uma preocupação que tenho, entender por que não há uma oferta significativa. Tenho falado com muitas pessoas para montarem OS, pois interessa a elas e ao Estado.

FOLHA - Como o sr. responde às críticas de privatização cultural e de que o modelo é inconstitucional?
SAYAD
- Falar em privatização é um equívoco. A execução é feita com a flexibilidade do setor civil, não do privado, mas o que é oferecido à sociedade é um bem público. Sobre a inconstitucionalidade, quem tem de falar é o STF, e a questão está lá. Se for definido como inconstitucional, criará depois um imenso problema para a saúde. Entre em qualquer museu paulista e depois vá ao Museu Nacional de Belas Artes e veja a diferença. Vá ouvir a Orquestra Sinfônica Municipal e depois a Osesp. Quem oferece música como um bem público? Quem toca mais? Onde há melhores músicos?

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