domingo, 3 de abril de 2011

A saúde pública vai sobreviver à espera?

Análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade que derruba a lei que cria as Organizações Sociais (OS) é adiada. A ADIN 1.923 é de 1998


Sessão no STF que julgava a procedência da ADIN 1.923/1998 foi interrompida por um pedido de vista do ministro Luiz Fux (foto: Gervásio Baptista/SCO/STF)

Desde que o CFESS passou a integrar a "Frente Nacional contra as Organizações Sociais (OS): pela procedência da ADIN 1.923/1998", formada por entidades, fóruns populares de saúde e movimentos sociais, os/as assistentes sociais têm acompanhado de perto o andamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei 9.637/1998, que legaliza a terceirização da gestão de serviços e bens coletivos para entidades privadas, mediante o repasse de patrimônio, bens, serviços, servidores e recursos públicos.

E nesta última quinta-feira, 31/3, a ADIN esteve na pauta da sessão do Supremo Tribunal Federal, em Brasília (DF). Entretanto, a análise pelo Plenário foi adiada em razão de um pedido de vista do ministro Luiz Fux para examinar melhor a matéria. Somente o relator da Ação, ministro Ayres Britto, com quem a Frente esteve reunida no ano passado, votou, apontando pela procedência parcial da ação. Outros nove ministros, inclusive Luiz Vux, votarão quando a ADIN voltar à pauta do Supremo, mas não há previsão de prazo para isso acontecer.

Frente marca presença na sessão
A Frente Nacional já estava reunida horas antes da do início da sessão. Cerca de 20 pessoas integrantes de sindicatos e fóruns populares de diversos estados se deslocaram até Brasília para assistirem à plenária que poderia decidir o rumo da saúde, educação, cultura e outras áreas onde as OS têm crescido.

Mas já na entrada do STF, um problema. O "tradicionalismo" do Supremo impediu que alguns integrantes da Frente entrassem na Casa da Justiça sob a alegação de não estarem trajando vestimentas que "respeitam a história e tradição do STF". Inclusive o ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Francisco Batista Júnior, que usava terno e gravata, foi proibido pelo cerimonial de acompanhar a sessão pois o mesmo usava uma calça que, segundo os seguranças "analistas de modas", parecia ser jeans. Resultado: parte da Frente contra as OS teve que assistir à sessão do lado de fora do plenário.


Segurança do STF barra entrada de alguns integrantes da Frente que não estariam trajando vestimentas que "respeitam a história e tradição do STF" (foto: Rafael Werkema)

Debate e análise
Após a leitura da ADIN pelo relator, ministro Ayres Britto, foi aberto espaço para manifestação das partes envolvidas no processo. Em defesa da improcedência da ADIN, falaram os advogados da Advocacia Geral da União (AGU) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), este último na condição de amicus curiae – instrumento que permite a participação de um órgão em questão jurídica que envolve terceiros.

Numa explanação oral descontextualizada da realidade, os advogados exaltaram a importância das Organizações Sociais, falando em "parcerias assertivas e objetivas" e as "relações saudáveis" entre o Estado e as instituições privadas.

O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, defendeu a possibilidade de convênios entre os governos e as organizações sociais, citando o Ministério da Ciência e Tecnologia como exemplo de parceria bem-sucedida entre o poder público e o privado. "As Organizações Sociais permitiram que programas do Ministério fossem geridos com mais funcionalidade e agilidade". Sobre o fato de não haver licitação para a escolha das OS, Adams afirmou que há concorrência entre as entidades interessadas na prestação do serviço.

Pela procedência da ADIN, falou a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, e os advogados das entidades que compõe a Frente contra as OS.

Duprat defendeu a declaração de inconstitucionalidade, sem redução de texto, de toda interpretação dos dispositivos impugnados que pretenda qualquer tipo de redução na atividade dos órgãos de controle típicos, designados à fiscalização do Poder Público.

"A participação do privado deve ser secundária. Entretanto, as organizações sociais despem o Estado do papel da universalização dos direitos", enfatizou Duprat.

A vice-procuradora geral da República falou ainda sobre a ausência de licitações e concursos públicos, afirmando que a questão perpassa outros pontos, como a defesa dos direitos e da dignidade humana. Como exemplo, ela citou a área da saúde, defendendo que os recursos destinados pelo Estado devem ser remetidos unicamente para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Em seguida, na qualidade de amicus curiae, explanaram os advogados de entidades que integram a Frente contra a privatização da saúde.
"As OS fazem parte de um modelo privatista que tem levado a grandes precarizações das condições de trabalho e da prestação de serviço à população", afirmaram.

Eles falaram sobre a ausência de controle social nas organizações sociais e destacaram as denúncias de irregularidades nos convênios com as OS, alvos de investigação do Ministério Público e do Tribunal de Contas. "Existe este mito da eficiência defendido pelo setor privado. Mas sabemos que a realidade é outra: fraudes, falta de condições de trabalho e problemas no atendimento aos usuários".

Ainda pela procedência total da ADIN 1.923, foram relatados aos ministros Federal alguns fatos ocorridos nos estados e municípios brasileiros que já implantaram as Organizações Sociais como modelo de gestão de serviços públicos, os quais trouxeram prejuízos à sociedade, aos trabalhadores e ao erário. As informações já haviam sido repassadas ao STF por meio do documento "Contra fatos não há argumentos que sustentem as Organizações Sociais no Brasil", protocolado em novembro na casa.


A assistente Maria Inês Bravo (à esquerda) ao lado de integrantes e de advogados da Frente contra a privatização da saúde (Foto: Rafael Werkema)

Voto do relator
Depois da explanação oral de ambas as parte, o ministro Ayres Britto deu início a seu prolongado voto, justificado pelo grande número de dispositivos constitucionais supostamente violados na ADIN. (Veja trechos do voto do ministro no site do STF)

Em resumo, o relator votou pela procedência parcial da ADIN para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei 9.637/1998 que dizem respeito à conveniência e a oportunidade de sua qualificação como organização social (inciso II, do artigo 2º); à expressão "com recursos provenientes do contrato de gestão, ressalvada a hipótese de adicional relativo ao exercício de função temporária de direção e assessoria" (parágrafo 2º, do artigo 14); e aos artigos 18, 19, 20, 21 e 22, que versam, entre outros pontos, sobre a extinção e absorção de atividades e serviços por OS. Em relação a estes cinco artigos, Ayres Britto ressaltou que como a norma vigora há mais de 12 anos, por razões de segurança jurídica, "não é de se exigir a desconstituição da situação de fato que adquiriu contornos de consolidação", afirmou o relator. Conforme Ayres Britto, as organizações sociais que absorveram atividades de entidades públicas extintas até a data deste julgamento devem continuar prestando os respectivos serviços, "sem prejuízos da obrigatoriedade de o poder público, ao final dos contratos de gestão vigentes, instaurar processo público e objetivo, não necessariamente licitação, nos termos da Lei 8.666, para as novas avenças".


Ministro Ayres Britto, relator da ADIN, e Luiz FUX, que pediu vista para analisar melhor a matéria (fotos: Nelson Jr./SCO/STF)

Avaliação da Frente contra as OS
Após o término da sessão no Supremo, integrantes da Frente se reuniram no CNS para fazer uma avaliação política do andamento da matéria. Participaram deste encontro: Fóruns de Saúde do Rio de Janeiro, Alagoas, Paraná e São Paulo; Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES); Sindicato dos Trabalhadores Públicos Federais em Saúde e Previdência Social do Rio e de São Paulo (Sindsprev); Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas); Conselho Nacional de Saúde (CNS); Sindicato dos Médicos do Rio (Sinmed); Sindicato dos Trabalhadores e Servidores em Serviços Públicos da Saúde Pública e Previdência do Paraná (Sindsaúde); Projeto Política Pública da FSS/UERJ; e o CFESS.

Para os/as representantes da Frente, este início de análise do STF à ADIN, e, principalmente, o voto do relator, não podem ser considerados derrota nem vitória. Isso porque o julgamento ainda está em sua fase inicial, sem qualquer definição de decisão. Além disso, como pedido de vista, o prazo para a ADIN voltar à pauta segue indeterminado.

Entretanto, a Frente avaliou de forma positiva o trecho da fala ministro Ayres Britto pela inconstitucionalidade dos artigos 18 a 21 da Lei 9.637/1998, apesar da decepção de o mesmo não ter votado pela procedência total da ADIN. A análise é de que se a decisão do Supremo fosse pela parcialidade da ADIN, conforme parecer do relator, isto dificultaria a criação de novas organizações sociais.

Para a assistente social e representante do Fórum de Saúde do Rio de Janeiro, Maria Inês Bravo, com este pedido de vista, a Frente agora vai intensificar suas ações no sentido de pressionar o STF para que a ADIN seja colocada em pauta novamente. "A nossa luta segue. Acabar com as OS significa fortalecer o SUS constitucional e evitar a destruição da saúde pública do Brasil", ressaltou.

A Frente já se articula para solicitar novas audiências, tanto no STF, inclusive com o ministro Luiz Fux, quanto no Ministério Público, com a vice-procuradora geral da República, Deborah Duprat, que defendeu a procedência total da ADIN. "Duprat teve uma fala fundamental que fortalece nossa luta", afirmaram os/as representantes da Frente.

Outras estratégias são reunião de mais assinaturas no abaixo-assinado contra as OS e ampliação do documento "Contra fatos não há argumentos que sustentem as Organizações Sociais no Brasil", além das atividades do Dia Mundial da Saúde.


Reunião dos integrantes da Frente após sessão no STF (foto: Rafael Werkema)

Mobilização no Dia Mundial da Saúde
"O SUS não é um produto para ser vendido, nem os hospitais são estabelecimentos para fazer negócio, visando o lucro", diz o documento "Saúde não é mercadoria: sua vida não tem preço", do Fórum de Saúde (RJ). O documento é uma carta convocatória para as manifestações que vão acontecer no dia 7 de abril, no Dia Mundial da Saúde.

Inês Bravo enfatizou a importância de a categoria de assistentes sociais participarem das mobilizações que ocorrerão em seus respectivos estados na data e assinarem o abaixo-assinado contra as OS. "Vivenciamos no dia-a-dia os prejuízos causados pela as organizações sociais à saúde da população, com emergências, ambulatórios e postos superlotados, troca frequente das equipes profissionais, atendimento de baixa qualidade e falta de profissionais e leitos", denunciou.

E a partir do momento em que o Estado faz a opção política de entregar os recursos públicos nas mãos da iniciativa privada, não só os usuários, mas os trabalhadores também têm seus direitos alijados.

"As organizações sociais estão contratando trabalhadores sem concurso público, adquirindo bens e serviços sem processo licitatório. Este modelo privatista desconsidera o Controle Social. Por isso, assistentes sociais de todo o país devem se mobilizar, procurando os fóruns populares de saúde de seus respectivos estados. Enfim, lutando pela saúde pública universal e de qualidade", afirmou a conselheira do CFESS Rodriane de Oliveira Souza.

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Veja trechos do voto do ministro no site do STF

Baixe o documento Contra fatos não há argumentos que sustentem as Organizações Sociais no Brasil

Conheça no site do STF a ADIN 1.923/1998

Fonte: Conselho Federal de Serviço Social - CFESS
Rafael Werkema - JP/MG - 11732
Assessor de Comunicação
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