domingo, 30 de outubro de 2011

Nordeste exporta 77% da mão de obra escrava do país, diz OIT

Luana Lourenço
Da Agência Brasil
Em Brasília

Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado hoje
(25) traça um perfil dos atores envolvidos no trabalho escravo rural no
Brasil: as vítimas, os intermediários e os empregadores. De acordo com o
levantamento, em geral, o trabalhador exposto à escravidão contemporânea
no Brasil é homem, negro, analfabeto funcional, tem idade média de 31,4
anos e renda declarada mensal de 1,3 salário mínimo. A grande maioria,
77%, nasceu no Nordeste.

A OIT chegou a esse perfil a partir de pesquisa de campo nas regiões de
maior incidência de trabalho escravo rural no Brasil. Os pesquisadores
entrevistaram trabalhadores resgatados em fazendas do Pará, de Mato
Grosso, da Bahia e de Goiás.

“Invariavelmente a aparência [dos trabalhadores] nas diferentes fazendas
era semelhante: roupas e calçados rotos, mãos calejadas, pele queimada
de sol, dentes não cuidados, alguns aparentando idade bem superior à que
tinham em decorrência do trabalho duro e extenuante do campo”, descreve
o relatório.

Segundo a OIT, o trabalho análogo à escravidão é "todo trabalho ou
serviço exigido de uma pessoa sob ameaça de sanção e para o qual ela não
tiver se oferecido espontaneamente. Além de estar relacionado a baixos
salários e más condições de trabalho, inclui uma situação de cerceamento
da liberdade dos trabalhadores".

De acordo com o coordenador do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo da
OIT, Luiz Antonio Machado, o perfil encontrado em campo confirma as
informações do banco de dados do Ministério do Trabalho. Desde 1995,
quando o governo criou o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, mais de
40 mil trabalhadores e trabalhadoras foram resgatados de situação de
exploração análoga à escravidão. A maior incidência de trabalho escravo
está na pecuária e no setor sucroalcooleiro.

O levantamento da OIT mostra mais uma face perversa da exploração: a
escravidão contemporânea começa cedo, com o trabalho infantil.
“Praticamente todos os entrevistados na pesquisa de campo (92,6%)
iniciaram sua vida profissional antes dos 16 anos. A idade média em que
começaram a trabalhar é de 11,4 anos, sendo que aproximadamente 40%
iniciaram antes desta idade”, relata a pesquisa.

Segundo Machado, a vulnerabilidade social é o principal vetor de
exposição dos trabalhadores à situação de serviço degradante. “A pobreza
é um catalisador desse problema social. É preciso garantir assistência
às vítimas, para diminuir a vulnerabilidade, porque senão acabam
voltando”. Entre os trabalhadores entrevistados, 59,7% já haviam passado
anteriormente por situação de trabalho escravo.

A OIT também traçou o perfil médio dos intermediários, que aliciam os
trabalhadores, chamados de “gatos”. A maioria também se declarou preto
ou pardo, de origem nordestina, baixa escolaridade e pouca ou nenhuma
formação profissional. “Foi interessante analisar o perfil do gato, que
é o intermediário. A gente percebe que o gato muitas vezes foi um
trabalhador explorado, que, digamos, subiu de posto”, compara Machado.

De acordo com o estudo, a dinâmica de fiscalização dos grupos móveis de
combate ao trabalho escravo vem provocando mudanças no processo de
aliciamento de trabalhadores e a figura do intermediário tem perdido
espaço. “As funções anteriormente desempenhadas pelo gato (aliciamento,
contratação e controle da força de trabalho) têm sido assumidas por
outros agentes. A presença de gatos é menos forte e menos frequente do
que em épocas passadas”, analisam os pesquisadores no documento.

Além dos gatos, a intermediação passou a ser feita, em alguns casos,
pelos próprios trabalhadores – que avisam conhecidos sobre as supostas
propostas de emprego –, por gerentes e proprietários das fazendas e por
escritórios de contabilidade. A OIT ressalta que a mudança nessa
configuração do aliciamento não significa melhoria na condição dos
trabalhadores arregimentados.

Na outra ponta, com perfil socioeconômico muito diferente das vítimas e
dos aliciadores, estão os empregadores. Todos os fazendeiros ouvidos
para a pesquisa estavam incluídos na Lista Suja, cadastro que agrupa
nomes de empregadores flagrados na exploração de trabalhadores em
condição análoga à escravidão. Atualmente, a lista tem 251 nomes, de
acordo com a atualização de julho deste ano.

Em média, de acordo com o levantamento qualitativo na OIT, os
empregadores são homens, brancos, com idade média de 47,1 anos. A
maioria nasceu na Região Sudeste e têm ensino superior completo. A
atividade econômica da maioria dos entrevistados para a pesquisa era a
pecuária. Um dos fazendeiros ouvidos está entre os dez maiores
produtores de gado nelore do país.

Segundo Machado, chamou a atenção dos pesquisadores o fato de alguns
empregadores não reconhecerem a existência do trabalho escravo, mesmo
depois de flagrados pela fiscalização. “Falta percepção dos
empregadores em relação ao crime, não aceitam a existência do trabalho
escravo.”

Fonte: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/10/25/nordeste-exporta-77-da-mao-de-obra-escrava-do-pais-diz-oit.jhtm

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