sábado, 29 de outubro de 2011

Hei MP! Não adianta se esconder que nós achamos você!

A nova máscara da MP520, o Projeto de Lei 1749/2011, coloca mais uma vez os Hospitais Universitários em risco de um processo de privatizacão, afetando estudantes e trabalhadores.

Tô por fora. Que história é essa de MP520 e PL 1749/2011?

Para deixar mais claro, quando se fala do PL 1749/2011 ou da MP520, fala-se, basicamente, da mesma coisa. A criação destas medidas e projetos é o produto da problemática criada (propositalmente?) pelo próprio governo que, ao deixar de fazer concursos públicos para os trabalhadores dos hospitais obrigou a gestao dos HUs a terceirizar serviços.

Cerca de 26 mil funcionários são terceirizados nos HUs, o que gerou um problema de financiamento. Esta situação foi dada como irregular pelo Tribunal de Contas da União que, em 2006, deu para o ex-presidente Lula um prazo de 4 anos para regularizá-la, por intermédio de concursos públicos, que acabaram não sendo aplicados. No dia 31/12/2010, como seu último ato na presidência, quando já eleita a atual presidente Dilma, Lula editou a MP520, um “tampa-buraco” muito conveniente.

Este ‘‘tampa-buraco’’, que se transformou no Projeto de Lei 1749/2011, agora é apresentado e redigido por Miriam Belchior (Planejamento) e Fernando Haddad (Educação), e define a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares Sociedade Anônima – EBSERH S.A.

O interesse do governo em sancionar, usando qualquer tipo de manobra, a aprovação da criação desta empresa que começará nos hospitais universitários, tem se demonstrado grande. Apesar de falhar na aprovação da Medida Provisória 520/2010, a MP520 cria uma nova identidade e vem mascarada de Projeto de Lei 1749/2011 que, na surdina, tramita em regime de urgência (por quê?) na Câmara dos Deputados e está prestes a ser aprovada.

Tal projeto, se aprovado, traz consequências severas a todos estudantes da área da saúde, aos funcionários e a população. Algumas dessas consequências incluem o regime de ‘‘dupla porta’’, uma privada e uma pública, no qual pacientes privados terão privilégio e seus leitos serão restringidos aos estudantes. Além disso, a aprovação da criação dessa empresa estabeleceria novas prioridades para o funcionamento dos hospitais, tais como: a manipulação e direcionamento de pesquisas voltadas aos interesses da empresa; objetivo principal de lucro, e não de ensino; desvinculação do HU com universidade, que leva a uma perda da autonomia universitária; a falta de garantias e direitos trabalhistas aos funcionários; e, por fim, um sistema de saúde precário e segregacionista à população.

O governo cria perguntas cuja lógica exige a sua resposta como a melhor resposta. Mas e se mudarmos a pergunta?

E o que é essa EBSERH? Quais suas consequências futuras?

A EBSERH é uma empresa pública (com capital inicial da união) ou seja, possui personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio. Ela tem o objetivo de atuar nos hospitais universitários do país, destituindo a universidade das responsablidades para com o HU e, assim, colocando em xeque a autonomia universitária. Por ter perfil de direito privado, toda lógica administrativa se prestará na busca do lucro e da produtividade, entrando aqui o trabalho por metas, que pode desqualificar o a qualidade do atendimento.

Como empresa de direito privado, ela naturalmente visa o lucro. Mas de onde este lucro viria? Tomando-se consciência disso e da falta de especificação da exclusividade dos serviços prestados, percebe-se a liberdade da EBSERH de criar um regime de ‘‘dupla porta’’ nos HUs: a primeira porta (preferencial), privada; a segunda, pública.

Onde ficam, então, os princípios norteadores do SUS – equidade, universalidade, integralidade? Visto que o uso de leitos por planos privados, com financiamento público, reduziriam os já escassos leitos para a população carente.

O objetivo da empresa, declarado pelo governo, de regularizar a situação ilegal de trabalhadores terceirizados nos HUs não será atingido. O PL não apenas piora essa situação, mas vem para tornar legal a prática de contratação indiscriminada de trabalhadores terceirizados nos HUs, ao passo que ter uma empresa como a EBSERH é também terceirizar. Ela vem, portanto, para institucionalizar algo que foi declarado como ilegal.

Os funcionários, em meio a isso tudo, serão contratados através do regime celetista (contratação via Consolidação das Leis Trabalhistas, e não mais Regime Jurídico Único), que é o regimento de empresas privadas. Estariam, então, submetidos à metas e à sombra da instabilidade, já que não há garantia de leis trabalhistas nesta situação. Além disso, há a perda a perda de vínculo do funcionário com a instituição de ensino, passando a ter vínculo apenas com a empresa. Qual será o novo compromisso desses profissionais com o ensino? Como isso afetará a qualidade do ensino no HU?

O Projeto de Lei admite ainda que os HUs poderão prestar serviços à “instituições congêneres de serviços de apoio ao ensino”. Quem são estas ‘‘instituições congêneres”? Será que os HUs passarão a dividir o ensino no HU com instituições particulares, as quais poderão pagar para usufruir deste “serviço”? Os HUs estão preparados estruturalmente para isto? E os pacientes, rodeados ainda mais de estudantes, como ficam?

O Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) já possui um regime de dupla porta, direcionando até 30% dos seus serviços aos planos privados de saúde. Comprovando a ineficácia do sistema, os planos privados no HCPA contribuem apenas para 6% do orçamento. E como fica o ensino? Além de prejudicar o paciente usuário do sistema público, prejudica também o ensino, já que os estudantes da UFRGS não possuem acesso aos leitos de pacientes privados.

“Funcionando na lógica da produtividade, com trabalhadores também submetidos ao cumprimento de metas, não é difícil enxergar que os HUs passarão a assumir um caráter muito mais de hospitais de serviço, e que o ensino (sua função primordial e para a qual foram concebidos) ficará em segundo plano.” (DENEM, 2011)

E agora, José? Como impedir que este absurdo seja aprovado?

Movimentos, como o realizado no dia 01/06/2011 na UFSC, reuniram mais de 300 pessoas em volta do HU para um grande abraço para manifestar a posição contrária a MP 520. A manifestação mostrou a população que os estudantes não estavam conformados com o que era estabelecido pela MP520. Neste mesmo dia, a MP520 caiu, por passar do seu prazo limite.

Porém, o PL 1749/2011 está livre disto: por possuir caráter de urgência.

A comunidade universitária precisa se movimentar e se manifestar contra o PL 1749/2011. Não podemos ficar inertes a esta condição, que subverte totalmente aos interesses privados a estrutura de ensino nos HUs. Somente através de manifestações locais de insatisfação com o que têm ocorrido com a saúde no país e contrárias ao projeto de lei podem impedir que nossos HUs sejam entregues “mão beijada”. Somente através do debate entre estudantes a cerca das consequências que este projeto apresenta, podemos impedir este parasitismo institucional.

Claramente não se trata apenas de uma manifestação contra a pura e “simples” privatização, mas sim de uma luta contra a manutenção de um sistema que já provou historicamente a sua ineficiência e pela garantia de um direito constitucional de cada cidadão brasileiro. Afinal, saúde é direito ou mercadoria?

CASA – Centros Acadêmicos da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

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